segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Psicologia Humanista de Carl Rogres - ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA (ATLETA)

O MODELO DE TRABALHO COM GRUPOS NA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA (Atleta)*

Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo

            A Abordagem Centrada na Pessoa desenvolve-se, em grande parte, sob os influxos da Psicologia Organísmica desenvolvida por Kurt Goldstein.
Além de inspirar-se no Holismo original de Smuts, Goldstein desenvolveu suas concepções organísmicas a partir das teorias dos psicólogos da Escola da Gestalt, que, por seu turno, buscavam, com suas teorias, a constituição de uma psicologia a partir das perspectivas da fenomenologia.
Goldstein tentava superar as fragmentações, na concepção do ser humano, da psicologia e filosofia de raiz cartesiana -- em particular a clássica dicotomia corpo-mente, e a divisão do funcionamento psíquico em funções mentais individualizadas. Buscava superar igualmente a perspectiva de psicologias que assumiam o ponto de vista de modelos negativistas de concepção da natureza humana. Tentava, desta forma, o desenvolvimento de uma psicologia que pudesse integrar as implicações do conhecimento oriundo de seus próprios achados em pesquisa neurológica, na qual era renomado pesquisador.
Goldstein valorizava fundamentalmente a importância do funcionamento da totalidade do organismo, como articulação integrada e dinâmica de suas várias dimensões. Vinculava-se, desta forma, aos princípios da teoria da Psicologia da Gestalt, que tinham como uma de suas perspectivas fundamentais as idéias de valorização da constituição e organização integrada das totalidades significativas, como algo distinto da simples soma de suas partes, como perspectiva fundamental de compreensão dos fenômenos e do funcionamento do psiquismo e do organismo humano.
Como fenomenólogo, interessava a Goldstein o estudo da consciência, dos processos de sua constituição e organização.
Passou a valorizar em suas concepções, a partir de suas pesquisas, uma concepção do ser humano como um conjunto de potencialidades, e a capacidade de autoregulação organísmica desta totalidade integrada e dinâmica do organismo, da mesma forma que a sua capacidade de auto-atualização de suas potencialidades. Capacidades que ele observara exaustivamente em seus estudos de pacientes com lesões neurológicas.
O ser humano passou a ser compreendido por ele não a partir de um perspectiva patológica, mas a partir da perspectiva de suas potencialidades, que incluía as potencialidades de sua saúde, esta sua capacidade de auto-regulação e auto-atualização.
É esta perspectiva fenomenológica e sistêmica, de auto-regulação e auto-atualização organísmicas que vai dar forma a sua concepção de organismo, como totalidade bio-psíquica integrada, que só pode ser vivida, compreendida e concebida como tal, sendo conceitualmente aniquilada quando analisada de um modo fragmentário.
A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein vai se fundamentar, portanto, nesta concepção de organismo, no que lhe ensinavam a psicologia fenomenológica da Teoria da Gestalt e as suas pesquisas neurológicas sobre este organismo: a força de suas potencialidades, e a sua incrível capacidade de autoregulação e de auto-atualização de suas potencialidades.

É a Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein e as suas concepções que vão exercer uma poderosa influência na constituição da Psicologia Humanista Norte Americana. Em particular sobre os trabalhos de profissionais como Abrahan Maslow, Andras Angyal, Rollo May, Fritz Perls... e Carl Rogers, juntamente com a influência de psicoterapeutas existencialistas europeus, como Binswanger, e juntamente com a forte influência do pragmatismo Norte Americano.
A ACP surge, assim -- como psicoterapia centrada no cliente --, sob a poderosa influência produtiva desta Psicologia Fenomenológica Organísmica e de seus conceitos, da qual vai adotar concepções como as de experiência organísmica, auto-regulação, auto-atualização, a ênfase fenomenológica na consciência, etc.
A ACP desenvolve-se e constitui-se progressivamente, a partir da psicoterapia, como uma abordagem de trabalho com grupos, como uma abordagem da pedagogia, da psicologia organizacional, da exploração e resolução de conflitos, e de aplicação em várias áreas das relações humanas. Guarda sempre, apesar de outros desenvolvimentos teóricos, o núcleo de concepções e perspectivas organísmicas. Desenvolve, a partir destas, várias de suas mais importantes formulações teóricas, como a de tendência atualizante ou de condições terapêuticas ou de facilitação.
O desenvolvimento de vários modelos de trabalho com grupos nos EUA do pós-guerra, tanto dentro da psicoterapia como fora de seu âmbito, levou a terapia/abordagem centrada a desenvolver também o seu modelo de trabalho com grupos.
Inicialmente, este modelo visava, a aplicação em uma situação grupal das mesmas condições terapêuticas/de facilitação formuladas para a relação diádica.
Cedo esta formulação da proposta revela os seus limites, diante da constatação prática do fato de que a situação grupal constitui-se como uma situação inteiramente diferente da situação da relação diádica, e que, aí, ainda que importantes, as condições terapêuticas/de facilitação, formuladas para a situação diádica, não teriam a mesma importância e função. Era necessário considerar o novo contexto, grupal, e a formulação de novas perspectivas e concepções a ele relativas na formulação da proposta.
Neste processo, a Terapia Centrada no Cliente/ACP sofre a influência de, e por sua vez influencia a, várias outras correntes de trabalho com grupos, como a Dinâmica de Grupo e a Gestalterapia, e tem uma intensa e produtiva participação na explosão de trabalhos com grupos que se desenvolve nos EUA e pelo mundo afora, nos anos Sessenta.
Os Grupos de Encontro da ACP são uma destacada modalidade de grupo no desenvolvimento deste processo, que marca uma revolução no âmbito do trato das relações humanas nos EUA.
O grupo de encontro, não obstante, estava ainda muito voltado para a perspectiva de um esforço de explicitação das condições terapêuticas, desenvolvidas para a terapia dita individual, no contexto grupal. De um esforço de criação de condições e de estímulo à expressividade de sentimentos dos participantes. Os participantes eram concebidos de uma forma um tanto individualizada e fragmentária, sem uma consideração mais profunda por sua articulação coletiva e pelo grupo como totalidade processual. O facilitador via-se muito, ainda, como um programador de atividades que estimulassem a expressividade dos participantes.
O decurso dos Anos Sessenta, com sua aguda ênfase existencialista e fenomenológica no âmbito das relações sociais, os próprios desdobramentos da ACP e dos Grupos de Encontro, suas relações com outras abordagens fenomenológico existenciais, no palpitante âmbito da Psicologia e Psicoterapia Norte Americanas daquele momento, levam o modelo de trabalho com grupos a certos desenvolvimentos.
De um modo geral, estes desenvolvimentos disseram respeito a um aprofundamento e a uma radicalização dos fundamentos fenomenológico-existenciais organísmicos na concepção do grupo, de seus processos e de seus efeitos; na concepção da participação e do participante, na auto-concepção do facilitador e da facilitação.
A partir de 1974, estes desenvolvimentos vão configurar-se na constituição de um modelo de trabalho com grupos que vai além das formulações originais dos grupos de encontro. Modelo que mergulha profundamente, como dissemos, nos fundamentos fenomenológico-existenciais organísmicos da Psicologia Humanista e da ACP, ampliando suas perspectivas.
Este modelo constitui-se naturalmente como desdobramento da proposta e da prática intensiva dos Grupos de Encontro, como um desdobramento do produtivo e agitado meio da Psicologia Humanista nos anos cinquenta e sessenta, e como uma solicitação daquele intenso e turbilhonante momento daqueles anos da cultura da Humanidade.
Há uma progressiva acentuação -- conceitualmente fundamentada na concepção da Tendência Atualizante -- de uma confiança nos potenciais de auto-regulação e auto-atualização, não só das pessoas no grupo, como do próprio grupo, como totalidades organísmicas integradas e dinâmicas, auto-reguláveis organismicamente, e auto-atualizantes. Uma valorização, assim, da afirmação da espontaneidade do devir da experiência dos participantes, e do coletivo grupal, a partir de suas atualidades existenciais, motivações e interesses, no contexto imediato da vivência do encontro grupal.[1]
Há uma valorização da afirmação da espontaneidade dos processos grupais, subgrupais, interpessoais, pessoais; intrapsíquicos e relacionais; que desencadeiam-se, espontaneamente, a partir do encontro dos participantes no contexto da realidade grupal. Há uma valorização do funcionamento organísmico, auto-regulável e auto-atualizante, da totalidade do processo grupal.
O facilitador, agora, interessa-se pela relação e comunicação, considerativa e compreensiva, com o participante individual no contexto grupal, mas interessa-se, também, pelo funcionamento do coletivo grupal, e pela particip-ação dele próprio neste funcionamento.
Tem consciência de que a relação do participante individual com outros membros do grupo, com sub-sistemas do grupo ou com o coletivo grupal, de um modo imediato, possui uma inestimável riqueza natural, e um fantástico potencial natural de criação e de estímulo a seu devir existencial e processos de transformação.
Mais do que uma interação inter-individual obrigatória e necessária com cada participante individual (interessante, eventualmente), mais do que a participação do participante individual em atividades ou segundo modelos por ele pré-concebidos, interessa ao facilitador a vivência participativa e fenomeno existencial do participante na constituição e desdobramentos da realidade do(s) processos grupal(is).
Ao facilitador não interessa programar ou  liderar o grupo, mas privilegiar a espontaneidade dialógica do encontro espontâneo dos participantes, no processo de constituição e dedobramento espontâneos do próprio grupo.
Isto não significa uma atitude de laissez-faire: há um agudo sentido de respeito aos limites naturais do(s) outro(s) e do coletivo grupal. Igualmente não significa que o facilitador assuma ou preconize uma atitude espontaneísta. O facilitador assume e respeita na alteridade dos participantes o vigor de uma atitude ativa. Mas uma atitude ativa fundamentada não em esquemas teóricos, conceituais ou reflexivos abstratos, mas na pontualidade fenomenal de sua própria vivência no processo de constituição e desdobramento da realidade grupal.
Os praticantes da ACP aprenderam imensamente com a prática deste modelo de trabalho com grupos.
Logo, logo, as modalidades de grupos ultrapassaram as definições e limites dos Grupos de Encontro. De pequenos grupos, com algumas horas de duração, os grupos foram sendo experimentados em tamanhos cada vez maiores no número de participantes. O tempo de duração intensiva do grupo também foi aumentando, de modo que o grupo poderia durar um dia inteiro, um final de semana inteiro, cinco dias, dez, quinze dias de vivência de grupo residencial.
No Brasil, realizaram-se grupos experimentais com cem, duzentos, quatrocentos, quinhentos participantes. Nos EUA, um grupo experimental de final de semana na Universidade de Princeton, contou com a participação de duas mil pessoas.
O resultado foi uma profunda revolução na ACP (que passou então a receber esta designação). Todas as suas áreas de aplicação foram conceitual e praticamente beneficiadas. E, a partir de um certo momento, o próprio desenvolvimento institucional da abordagem passou a ser influenciado por este modelo de trabalho com grupos, um vez que importantes encontros da abordagem passaram a ser por ele geridos.*
No modelo de trabalho com grupos da ACP, o grupo é entendido como dotado de um potencial holístico organísmico que envolve as capacidades, necessidades e sentidos de cada um e do conjunto de seus participantes, a partir das motivações, interesses e excitações de suas atualidades existenciais. Como sistema psico-sócio-cultural humano, o grupo é dotado não só destas potencialidades, como também de uma capacidade de auto-regulação e auto-atualização destas potencialidades, da mesma forma que as pessoas possuem seus mecanismos de auto-regulação e auto-atualização organísmicas.
De modo que interessa ao modelo de trabalho com grupos da ACP a criação de condições para uma valorização da afirmação e da expressividade da experiência de cada pessoa, no contexto da realidade grupal. A partir das motivações, necessidades, capacidades e sentidos de sua própria atualidade existencial.
Interessa criar condições para o cultivo e desenvolvimento do processo grupal que se desenvolve a partir do encontro imediato das pessoas, e de seus sub-sistemas, e a partir da afirmação e expressividade, automotivadas, de sua atualidade existencial, no contexto da realidade grupal. É a interação natural, a partir da afirmação e expressividade da atualidade existencial dos participantes, de seus sub-sistemas, e do próprio grupo como sistema global, a partir de seus próprios interesses e motivações, que constitui a “matéria prima” do processo grupal, e que interessa cultivar e desenvolver.
O facilitador deixa de conceber-se a si próprio como terapeuta, professor, etc., como um tipo de administrador do grupo, e passa a valorizar uma disponibilização de si próprio para a vivência participativa no processo de emergência e configuração da realidade grupal particular que se desenvolve a partir do encontro entre pessoas particulares, em momentos particulares de suas vidas, num tempo e local particulares: os do acontecimento do processo grupal em seu devir próprio e particular[2].
O facilitador sabe e assume que tem uma função e poder institucionais diferenciados no contexto particular da realidade grupal. O que caracteriza a sua proposta, não é que ele não disponha deste poder e condição particulares no contexto da realidade grupal, ou que ele divida ou compartilhe este poder e condição. É, antes, o fato de que ele tem uma proposta diferenciada de exercício deste poder e condição institucionais.
A ele interessa investir este poder e condição institucionais na proposta de um processo de grupo que se constitua descentralizadamente, a partir da participação espontânea da(s) perspectiva(s) de cada um dos membros do grupo, dos subgrupos, e a partir da constituição espontânea do processo grupal.
O processo que decorre da operacionalização desta proposta de funcionamento grupal é frequentemente desconcertante, caótico, em particular nos seus primórdios. Mas é um processo sempre rico, intenso e estimulante. Um processo capaz de potencializar intensamente a criatividade do coletivo grupal e do participante individual, no enfrentamento, afrontamento e transformação de suas questões e condições existenciais.
Caótico e desconcertante, em seus primórdios, o processo grupal tende a desenvolver incríveis formas de ordem orgânica e dinâmica. Wood[3] frequentemente compara-o ao desenvolvimento da peformance de um orquestra, inicialmente caótico, desencontrado, desafinado, mas sempre entusiasmado e excitado, ganhando uma ordem orgânica artística, à medida em que é vivenciado em suas intensidades próprias.
Uma situação grupal que se permite fundamentar-se nos potenciais de auto-regulação dos participantes individuais, e do coletivo grupal, permite aos seus participantes uma progressiva, e progressivamente mais ampla, aproximação -- e regulação a partir -- dos potenciais de auto-regulação e auto-atualização de sua experiência organísmica, individual e coletiva. Assim como uma concentração e acentuação da vivência de suas questões existenciais significativas, que emergem no fluxo de sua vivência grupal. As tensões a elas relativas podem então ser vivenciadas em suas intensidades próprias, em um contexto experimental e absolutamente real, que lhe permite, tanto a nível interacional como subjetivo, pessoal e coletivo, a experienciação/experimentação, a afirmação, dos processos de seus devires.
Na verdade, como observa O’Hara[4], este modelo de trabalho com grupos utiliza-se apenas de uma antiquíssima forma de reunir-se dos grupos humanos. Uma forma em que se permite uma entrega das pessoas e do seu coletivo à socialidade de base, ao coletivo dionisíco, que subjaz ao funcionamento explícito de toda a sociedade humana, que confere-lhe vitalidade e poder de regeneração individual e coletivo[5].

O modelo de trabalho com grupos da ACP tem sido amplamente adaptado e utilizado, desde os seus primórdios, dentro do contexto da terapia, e nos mais diversos contextos, tais como o da educação, do trabalho comunitário, organizações, grupos interculturais, exploração e resolução de conflitos e outros. Sabe-se que desde os encontros iniciais do processo de paz no Oriente Médio, os negociadores utilizam sessões de negociação que em muito lembram os grupos vivenciais. E, como observamos, os próprios encontros de profissionais que adotam a ACP são frequentemente geridos segundo este modelo. De modo que, mesmo tendo percorrido já um longo caminho em suas aplicações, o modelo de trabalho com grupos da ACP está longe de esgotar as suas possibilidades, demandando um compreensão de seus fundamentos fenomenológico existenciais organísmicos, e a ousadia pragmática da experimentação e do intercâmbio de nossa aprendizagem, para que possa ser utilizados em suas potencialidades próprias, e desenvolvido em sua proposta e aplicações.

 * Título adaptado para o contexto esportivo
BIBLIOGRAFIA
·FONSECA, Afonso H. L., GRUPO, FUGACIDADE, RITMO E         FORMA. Processo de Grupo e Facilitação na Psicologia             Humanista, São Paulo, Summus Editorial, 1988.
·MAFFESOLI, Michel, A CONQUISTA DO PRESENTE, Rio,           Rocco, 1984.
·                                             A SOMBRA DE DIONÍSIO, Graal, Rio,   1985.
·ROGERS, Carl, GRUPOS DE ENCONTRO, São Paulo, Martins    Fontes, 1970.
·                            UM JEITO DE SER, São Paulo, EDUSP, 1983.
·ROGERS, Carl e Outros EM BUSCA DE VIDA. Da Terapia           Centrada no Cliente à Abordagem Centrada na Pessoa, São Paulo,            Summus Editorial, 1983.